sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Interessante visão sobre o cigarro

Autor de ‘O cheiro do ralo’ faz ode ao cigarro em filme no Festival do Rio

Lourenço Mutarelli estrela ‘Natimorto’, seu segundo livro a virar filme.
Trama relaciona cartas do tarô com fotos-catástrofe dos maços de cigarro.

Na mesinha de centro da sala do escritor Lourenço Mutarelli há uma pequena placa entre maços de Malboro onde se lê o aviso: “mesa reservada preferencialmente para não-fumantes”. Trata-se de uma “pequena vingança”, como ele próprio alega, à patrulha anti-tabaco.

Vingança maior deste fumante inveterado é o filme “Natimorto”, de Paulo Machline, que estreia nesta quinta-feira (1), dentro da mostra competitiva do Festival do Rio. Adaptação do livro homônimo de Mutarelli, o longa conta a história de um agente musical que acredita que seu destino está traçado na foto-catástrofe que ilustra o primeiro maço de cigarro do dia.

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Confira os detalhes na entrevista que o escritor concedeu ao G1, na tarde da última quarta-feira (30).


G1 – Como espectador, você gostou do filme ‘Natimorto’?
Mutarelli – Adorei o filme e isso não é bom sinal. As coisas que gosto não são populares e tenho medo que não atraia o grande público. O Paulinho [Machline] optou em tirar o humor que há no livro e quando ele aparece, é um registro tão vertiginoso, que não dá tempo nem de perceber. Então ficou pesado, gostei muito. Em “O cheiro do ralo”, o Heitor Dhalia tinha a proposta de tornar o filme mais acessível que o livro. Gostei, mas esteticamente ficou longe do meu universo.

G1 – E como escritor? Você gostou do resultado da adaptação que fizeram do seu livro para o cinema?
Mutarelli –
“Natimorto” é o meu livro que mais gosto. Por mais que fosse desvirtuada no filme, a história estaria preservada no livro. Em “O cheiro do ralo”, todos no set ficavam me perguntando coisas e eu não sabia responder. Eles tinham lido e relido o livro, tinham um conhecimento maior da história que eu, que nunca mais tinha lido. Com “Natimorto” foi igual. Escrevi as duas tramas de forma rápida e profunda. “O cheiro do ralo” fiz em cinco dias, só com pausa para o Miojo, e no dia seguinte comecei a escrever “Natimorto”. Se eu fosse espiritualista, diria que psicografei esses livros. Diferente de um roteiro de cinema, que você vai tratando, tem uma equipe envolvida... Sempre passo a ter uma visão mais profunda do que escrevi, a partir do olhar do outro. Não sei se vou reler “O cheiro do ralo” algum dia, mas se reler, imaginarei o Selton Mello na história.


G1 – Foi ideia do diretor te escalar como protagonista de “Natimorto”?
Mutarelli – Não, foi minha. Era para ser o Matheus Nachtergaele, mas ele tinha um compromisso em Cannes. Então os produtores começaram a pensar em uns atores meio galãs. Isso me incomodava. Um deles era o Wagner Moura, que acho ótimo. Mas achava importante que fosse um cara mais feio, meio tiozinho... Eu já participava das leituras do roteiro e fiquei com vontade de fazer um teste para o papel. Quando o Mario Bortolotto fez a adaptação de “Natimorto” para o teatro, escalou o ator Nilton Bicudo, que é meio parecido comigo. Gostei muito da peça, assisti várias vezes, e até então, nunca tinha me identificado com o personagem, que é um homem ruim, monstruoso. Eu nem queria me identificar, mas isso passou a acontecer vendo o meu sósia ali, no palco.


G1 – Há uma cena de “Natimorto” em que você aparece com o corpo coberto de insetos. Foi difícil para você?

Mutarelli – Essa cena estava sendo deixada para o final das filmagens e eu estava louco para fazê-la. A equipe queria usar de realidade virtual se eu preferisse, mas achei que com baratas, gafanhotos e larvas de verdade ficaria melhor. Por incrível que pareça, foi prazeroso contracenar com eles. Sempre que as baratas se dispersavam, eu as puxava para perto. Só me incomodava o cheiro, que era muito forte. Mas foi como mergulhar na água gelada: você sabe que há o choque inicial, mas depois a sensação é boa. Sempre pensei em ser cremado, mas mudei de ideia, quero ser enterrado. Se possível, sem caixão. Entendi que há beleza no fato de alimentar os vermes.


G1 – Como você começou a fazer a relação entre as cartas do tarô e as fotos-advertência dos maços de cigarro?
Mutarelli –
O tarô é fascinante, sempre li os livros sérios sobre o assunto. Quando foi lançada a primeira campanha daquelas imagens horríveis nos maços de cigarro, como fumante, me senti extremamente agredido, e resolvi subverter aquilo. Comecei a procurar um paralelo entre a iconografia do tarô e as das fotos nos maços. A primeira leva de imagens era mais elaborada. Eram como pequenas cenas e aí veio a ideia do livro: o cara que acredita que a sorte do seu dia está determinada na foto da primeira embalagem de cigarro que ele fuma.

G1 – E essa ideia chegou a te contaminar no cotidiano? Você lê a sua sorte no maço de cigarro?
Mutarelli –
Não! Não sou tão doente quanto meus personagens... Alguns leitores até hoje me mostram o maço e perguntam “e hoje, o que vai acontecer comigo?”. E essas imagens de agora não tem nada a ver. A primeira coleção de fotos era mais elaborada, dramática, dava para ver os arcanos todos... Outro dia até vi uma foto interessante numa embalagem... Mas não sei o que anda acontecendo, sempre tiro o maço da impotência sexual... A impotência me persegue...

G1 – E o que você achou da lei anti-fumo?
Mutarelli –
Por causa dela estou com medo de proibirem o filme em salas fechadas. Acho ridícula essa lei. Concordo que não se deve fumar em restaurante, ônibus, em avião muito menos. Mas acho um absurdo não poder fumar no aeroporto depois de um vôo de 12 horas. Deveria ter mais ambientes para fumantes. Fui a um show e tive que pagar a conta e me davam um bracelete para poder voltar. Nem voltei, desisti do show. Tenho saído muito menos por causa dessa lei. É nazista e abre precedente para outras proibições.

G1 - E você pensou em parar de fumar?
Mutarelli –De jeito nenhum! Um dia serei obrigado a fazer uma traqueostomia e vou fumar no gogó. Eu adoro fumar, existo para fumar, tem dias que acordo só para fumar.
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http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL1325038-7086,00-AUTOR+DE+O+CHEIRO+DO+RALO+FAZ+ODE+AO+CIGARRO+EM+FILME+NO+FESTIVAL+DO+RIO.html